quarta-feira, 18 de junho de 2008

Retrato

Crônica recebida por e-mail - Colaboração de I.P.

Hoje acordei bem humorada, com a lembrança de sonhos bons ainda na memória. Contemplei-me no espelho e julguei-me até bastante simpática, minhas pálpebras não mostravam de maneira gritante seu inchaço e meus olhos estavam brilhantes, minha fisionomia descansada. Ótimo, pensei. Hoje posso aventurar-me tirar aquela fotografia que estou precisando para renovação do passaporte. Feliz, aprontei-me, avivei com ruge meu rosto, penteei meus cabelos e fiquei feliz com o resultado.
Fui para o centro, procurei a Retes para tal fim. O fotógrafo deu-me tempo para os últimos retoques em frente ao espelho.. Afofei cuidadosamente meus cabelos para dar a impressão de quantidade, renovei o batom, o rapaz colou com fita crepe os números de data na minha blusa ensaiei um sorriso e.. click ... duas vezes, com óculos e sem. Como são fotos digitais mandou que eu escolhesse na tela do computador .....
Fiquei parada olhando o desfilar das várias fotos de outras pessoas, até que ele parou e uma desconhecida me fitou. Como não a conheci, o fotógrafo esperou um pouco e perguntou-me: afinal qual você vai querer? Puxa. Esta, sou eu? Para onde eu fui? Talvez por gostar de mim mesma não me acho tão feia quanto a fotografia teima em gritar da tela do computador! Quem é essa idosa que se apossou de meu corpo expulsando minha alegria, roubando-me a sensação de beleza, mocidade que desfrutei pela manhã? Por que o espelho me enganou tanto?
Descubro que o mistério desta metamorfose é a ausência de meu amado cujo olhar carinhoso tornava-me bela, desejada, graciosa.
Preciso urgentemente reprogramar minha mente a aceitar a atual realidade. Um simples retrato teve o poder de fazer o ' stripteese' das ilusões com as quais fui vestida à cidade. Meus ombros vergaram, o brilho de meus olhos se apagou, minha fisionomia caiu...
E agora?
Só me resta recitar os magníficos versos de Clarice Lispector:

Espelho, por que persiste
em se mostrar tão severo?
Seu sorriso leve e triste
não é o riso que eu ria
não é a face que eu tinha.
Onde está minha alegria?
Onde foi a face minha?
Encontro apenas miragem
se me procuro na vida.
Não sou decerto esta imagem
que hoje vejo refletida.
O bem e o mal, se os confronto
vejo que o bem foi vencido.
Se procuro, não me encontro,
se me encontro não me aceito

Obrigado Isabel

Nenhum comentário: