terça-feira, 15 de dezembro de 2009

PAUSA PARA RESPIRAR

Essa matéria publicada pela VEJA, vem mais uma vez
divulgar como a ciencia está agora sancionando (do seu modo), conhecimentos
que há muito fazem parte das práticas recomendadas por diversos caminhos
espirituais, para se alcançar um equilíbrio saudável.
A respiração é elemento importante no processo da meditação, bem como
isoladamente em exercícios diários e constantes.

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PAUSA PARA RESPIRAR

Estudos de importantes centros de pesquisa em todo o mundo começam a medir o
que já se sabia empiricamente: a prática cotidiana de exercícios
respiratórios tem impacto positivo na saúde e no bem-estar, além de auxiliar
no tratamento de diversas doenças.
Silvia Rogar

O cardiologista italiano Luciano Bernardi coordenou, há oito anos, um
curioso estudo na Universidade de Pavia. O tema: a influência da ave-maria
sobre o sistema cardiovascular. Pesquisas anteriores já haviam demonstrado
que a oração em latim, lida em voz alta, tinha efeito calmante sobre os
fiéis. O que Bernardi e seus pares constataram foi que isso não tinha
relação com a fé, e sim com o ritmo da respiração exigido pela métrica da
oração. Para dizer cada frase inteira e respeitar os intervalos, é preciso
baixar o número de inspirações e expirações para seis por minuto, um terço
do ritmo normal. Esse ritmo respiratório mais lento reduz a frequência
cardíaca e baixa a pressão arterial. Daí a sensação de calma. Data também do
início dos anos 2000 uma série de outros estudos que procuram explicar e
medir o efeito do controle da respiração sobre a saúde. Essa relação é
conhecida empiricamente há milênios pela medicina oriental, mas só
recentemente começou a ganhar status de assunto sério nos principais centros
de pesquisa do mundo. Os resultados são animadores. A respiração controlada,
em diversas modalidades, revela-se coadjuvante eficiente no tratamento de
transtornos de ansiedade, de hipertensão e até de dores crônicas, em alguns
casos permitindo reduzir expressivamente as doses de remédio.

O grande mérito dos estudos recentes sobre respiração é dimensionar seu
poder de interferir no funcionamento do sistema nervoso autônomo. Esse
sistema é dividido em dois: o simpático e o parassimpático. O primeiro
prepara o corpo para enfrentar situações de perigo. Ao receberem um sinal de
alerta, motivado por situação real ou imaginária, diversas áreas do cérebro
entram em ação, desencadeando reações destinadas a enfrentar essa ameaça.
Substâncias que contraem os vasos sanguíneos (como a adrenalina) são
liberadas, provocando aceleração dos batimentos cardíacos e elevação da
pressão arterial. Quando a ameaça sai de cena, o sistema parassimpático
conduz o corpo de volta a seu estado normal. A respiração pode interferir
nesse processo porque é a única das funções regidas pelo sistema nervoso
autônomo que se pode controlar. Não é possível baixar ou elevar
voluntariamente a temperatura corporal ou alterar a velocidade da circulação
do sangue. Mas é perfeitamente possível alterar o ritmo da respiração. O que
os médicos constataram é que, quando se respira lenta e profundamente, se
envia ao cérebro uma mensagem tranquilizadora que ajuda a desarmar os
sistemas de defesa. A respiração mais eficaz para isso é a diafragmática,
semelhante à respiração dos bebês, que expandem o abdômen ao inspirar.
Estudos do Laboratório de Pânico e Respiração da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ) mostram que 70% dos pacientes que sofrem de distúrbios de
ansiedade conseguem diminuir em até 60% a dose de antidepressivos e
ansiolíticos depois de seis meses. "Para quem sofre de pânico, o treinamento
da respiração diafragmática é o primeiro passo para a resolução do problema
sem medicamentos", diz o psiquiatra Geraldo Possendoro, professor de
medicina comportamental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Na esteira dessas constatações, nasceram e se multiplicaram os cursos de
respiração. Eles atraem principalmente a turma que sempre aderiu alegremente
a qualquer novidade na área do bem-estar. Mas têm incorporado também gente
que nunca levou muita fé em nada que cheirasse a terapia alternativa. Foi
por pura curiosidade que o empresário Robson Gouvêa, de 51 anos, procurou a
Fundação Arte de Viver, uma das primeiras a oferecer esse tipo de curso.
Isso foi em 2007. Gouvêa, que comanda a rede de magazines Leader, do Rio de
Janeiro, gostou do resultado. Diz que sua grande conquista foi aprender a
respirar fundo antes de tomar decisões importantes. Ele trabalha cerca de
dez horas por dia. Para administrar o stress, joga tênis e pratica corrida.
"A respiração passou a fazer parte da minha rotina de bem-estar", diz. A
atriz Juliana Paes aderiu no ano passado, quando estava se preparando para
viver a Maya de Caminho das Índias. "Eu estava muito ansiosa. Ia começar a
novela e sabia que a pressão seria enorme. Aprender a respirar foi
fundamental para enfrentar a empreitada com mais tranquilidade", diz
Juliana, que, assim como a atriz Priscila Fantin, vê na qualidade do sono o
maior benefício obtido com a prática. Em geral, quem faz regularmente
exercícios respiratórios relata ter conquistado um precioso aliado para
enfrentar o stress e a correria do dia a dia. A medicina confirma. "Vejo o
controle respiratório como parte de uma estratégia de vida saudável, ao lado
da alimentação balanceada e da atividade física regular", diz Bernardi.

Executiva de recursos humanos, a carioca Cristiane Edelman, hoje com 45
anos, não tem dúvida dos ganhos que obteve desde que incorporou o
condicionamento respiratório ao seu cotidiano. Submetida à puxada rotina das
consultorias internacionais, ela vivia entre voos e reuniões Brasil afora.
Passou a sofrer os reflexos do stress e da ansiedade no corpo. Por duas
vezes, chegou a parar no pronto-socorro. "Tinha formigamentos no rosto,
achava que estava infartando, vivia com insônia, azia, e tinha rinite
alérgica", conta. Cristiane só conseguiu dar um basta nesse mal-estar quando
procurou uma terapeuta, cinco anos atrás, que lhe ensinou técnicas de
respiração. "Minha qualidade de vida teve uma sensível melhora", diz.

Outra vertente em que as pesquisas constatam bons resultados do
condicionamento respiratório é o controle da pressão arterial. Em 2002, o
Food and Drug Administration (FDA), a agência americana que regula a venda
de medicamentos, liberou um dispositivo chamado Resperate, uma espécie de
walkman criado por médicos israelenses com o propósito de ditar o ritmo das
inspirações e expirações. A prática de quinze minutos diários mostrou efeito
significativo em estudos que abrangeram 507 hipertensos, todos sob
orientação médica (veja o quadro). Após oito semanas, a redução média de
pressão foi de 15 por 9 para 14 por 8. Em 10% dos casos a hipertensão
desapareceu. Mesmo sem o aparelhinho, a física paulistana Elisa Wolynec, 68
anos, conseguiu idêntico resultado. Ela sempre levou uma vida saudável. Há
cinco anos, descobriu que sua pressão estava alta. Começou a tomar
medicação, mas teve uma série de efeitos colaterais desagradáveis e, em
outubro de 2008, sob orientação médica, decidiu apostar na prática de
exercícios de respiração lenta e profunda. Desde então, dedica quinze
minutos todos os dias a eles, com muita disciplina. Aos poucos, o médico
reduziu a dose de medicação e, desde janeiro, Elisa não toma comprimidos.
Sua pressão chegava a 17 por 9 e estabilizou-se em 12 por 7. "Depois de dois
ou três meses de prática, observa-se em alguns casos redução semelhante à
que se consegue com remédios", diz Décio Mion, chefe da unidade de
hipertensão do Hospital das Clínicas da USP, que no ano passado conduziu um
estudo sobre o assunto com 27 hipertensos em grau leve.

Na Universidade Stanford, os exercícios respiratórios são vistos como uma
ferramenta para enfrentar a dor crônica com menor grau de desconforto. "Eles
permitem encarar crises com menos medicação. A dor crônica tem um fator
emocional, que ativa o sistema simpático e, consequentemente, aumenta a
tensão muscular. O controle da respiração permite que o corpo fique mais
relaxado", explica o anestesista Ravi Prasad, diretor assistente da divisão
de gerenciamento da dor em Stanford. Essa é uma área em que ainda não há
estatísticas que confirmem a relação entre os exercícios e a melhora do
quadro dos doentes. Mas as evidências são muito fortes, e há muitos estudos
em andamento que permitirão medir adequadamente esse efeito. Não deverá
levar muito tempo. Essa é uma fronteira promissora para a medicina nos
próximos anos. Diz o cientista americano David Anderson, dos National Health
Institutes, o órgão responsável por pesquisas e políticas públicas de saúde
nos Estados Unidos, que coordena o maior estudo já feito no país sobre a
relação entre respiração e saúde: "Estou convencido de que os padrões de
respiração têm grande impacto até sobre o sistema imunológico".

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